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Ubaenses fora do Brasil – tensão e pontos de vista em tempos de pandemia

  • Mateus Gori
  • 15 de mai. de 2020
  • 7 min de leitura

Todo o planeta sofre as consequências da pandemia do novo coronavírus. Alguns países de forma forte e muito intensa e outros de forma mais amena, de acordo com variados fatores.


Vários ubaenses moram fora do Brasil e conviveram, nos últimos meses, com experiências inéditas. Confira os relatos de alguns deles, que dividiram a vivência em entrevista exclusiva com o Jornal O Noticiário.


Filipe Ruffato – Cineasta e morador de Lisboa, Portugal.


“Portugal começou a fazer bloqueios muito cedo. Assim que os casos passaram da Itália e chegaram na Espanha a fronteira já foi fechada, o que foi muito bom, pois com esse ‘lock down’ nós conseguimos manter os números por aqui muito baixos. Claro, baixo numa perspectiva de números assustadores. Inclusive Portugal tem sido tido como exemplo na Europa, pois tirou vantagem dessa previsão com planejamento ao observar Itália e Espanha.


Na segunda-feira, dia 4 de maio, os comércios começaram a reabrir, mas de uma forma totalmente diferente. Por exemplo os cafés, que tenho muito costume de frequentar, mudaram a forma de atendimento, não podemos mais sentar e esperar, eu peço retiro e consumo fora do local. Os supermercados estão trabalhando com regime de filas fora do estabelecimento, com quantidades limitadas dentro do local. Mas as filas eram organizadas, com distanciamento correto, isso graças aos cidadãos que aderiram muito bem a todas as normas. O governo também ajudou muito as empresas, pagando 70% dos salários para os funcionários permanecerem em casa.


No meu caso, por ser freelancer, tive mais dificuldade, pois para buscar algum auxílio havia a necessidade de comprovar todos os rendimentos durante o ano e além disso, o teto desse auxílio para quem trabalha na área das artes, como eu, é muito baixo. A arte tem sofrido muito, muitos artistas que eu conheci e quem trabalha direta ou indiretamente com ela tem sofrido demais com o ‘lock down’.


Eu estou incrédulo com o que tem acontecido no Brasil! Parece um país de criança, um país de brinquedo, eu tenho dificuldade de acreditar que é verdade. Brasil disputava com Portugal e agora parece que vai disputar é com os Estados Unidos, me parece uma competição catastrófica. Quem diria que em 2020 as propagandas seriam ensinando a lavar as mãos! Não tenho a menor intensão de voltar tão cedo ao meu país”.


Rafael Almeida – Pesquisador da Cornell University, em Nova York, Estados Unidos.


“Estou em Ithaca, na parte central do estado de NY, região mais crítica dos EUA até agora -- quase 3x mais mortes do que no Brasil todo até agora. Eu sou pesquisador na Cornell University, minha esposa também trabalha na universidade.


A rotina mudou totalmente... o campus fechou, a universidade mandou todos os estudantes pra casa (esvaziando a cidade) e todos os funcionários para home office (inclusive sou proibido de botar o pé na universidade, não tenho autorização).


A escola da minha filha de 6 anos também parou em março e não volta mais pro ano letivo (que termina em junho). As aulas só voltam em setembro, mas ainda não é certo como será.


A minha cidade é um exemplo de boa política de isolamento... como é cidade universitária, tudo parou com o início do isolamento e só negócios essenciais estão abrindo... as pessoas respeitam... minha cidade está no estado mais maltratado pela epidemia até aqui e não houve nenhuma morte dentre os 130 infectados até agora.... O estado de NY está testando em massa: 20x mais do que o Brasil (na comparação de testes por 1 milhão de habitantes).


Resumindo: a rotina mudou demais, só saio de casa para ir ao mercado... não gastei nem meio tanque de gasolina nos últimos dois meses (geralmente gasto 2 por mês). Eu e minha esposa estamos trabalhando o dia inteiro usando o videoconferência, e minha filha também tem encontros a cada dois dias com a turma da escola.

E pra finalizar, como a região da minha cidade combateu bem a proliferação da epidemia, o governador do estado de NY autorizou reabertura gradual do comércio aqui”.


Fabrício Barreto – Músico e morador de Quebec, Canadá.

“Aqui a Covid-19 chegou antes que no Brasil e se alastrou com certa velocidade, principalmente na província de Quebec (onde eu moro), mas foram tomadas medidas rígidas de segurança de forma que a situação está ‘controlada’ (5049 mortes até o momento). As principais vítimas são os idosos de 80 anos ou mais (70% das mortes). Principalmente os que vivem nos hospitais e casas de repouso (públicas e privadas). Como o Canadá é um país de idosos (uma ‘Copacabana’ de proporções continentais), você deve imaginar como isso preocupa por aqui.


No que diz respeito a trabalho, quem pode, fica em casa trabalhando pela internet e a vida vai sendo levada dessa forma. Quem está no grupo de risco (trabalhadores de idade avançada ou que têm alguma doença que pode piorar com a Covid-19), esses ficam em casa (com salário) mesmo se não tiverem como trabalhar de casa.


O governo divulga os dados diariamente e promove ajuda financeira rápida para os necessitados.


Aqui, Nilian trabalha em casa mesmo. Eu trabalho no escritório, pois o meu trabalho é considerado essencial para o funcionamento de certos serviços essenciais oferecidos pelo governo da província de Québec. Como sou o único da minha equipe que vai pro escritório (o resto ficou em casa porque é idoso ou não tem com quem deixar os filhos pequenos ou tem doenças, etc), eu não tenho contato com ninguém e, praticamente, não sofro o risco de contaminação.


Tirando isso, nós ainda não podemos nos encontrar com os nossos amigos pra tomar uma cerveja, todos os shows, festivais, eventos esportivos e culturais estão cancelados por tempo indeterminado (recebi ontem o reembolso do ingresso do Black Keys e estou aguardando os reembolsos do Tool e do Roger Waters ainda).


Minha banda, apesar de ter acabado de lançar um disco durante essa pandemia (que pode ser ouvido AQUI), está ‘presencialmente parada’ (lugares para tocar fechados e ensaios cancelados por tempo indeterminado). A gente está compondo as músicas novas pela internet (o trabalho pode ser acompanhado pelo próprio perfil de Fabrício)... Tem funcionado bem, apesar de ser um processo mais lento e frio... Sinto falta dos ensaios com a cervejinha entre uma música e outra (rs)”.


Lili Lopes – Jornalista, estudante de alemão e moradora de Erlangen, Alemanha.


“Minha rotina mudou, naturalmente, mas minha visão sobre a vida mudou mais...

Vamos lá, aqui na Alemanha eu achava que minha vida já era uma quarentena, pois não tenho o meus amigos aqui, minha família, minha casa... sou uma cidadã invisível como qualquer outra pessoa no início de uma imigração.


Comecei a quarentena como alguns dias de descanso, depois fui me sentindo solitária, entediada. O ócio foi me consumindo, a cabeça perturbada vendo as redes sociais impondo que eu fosse produtiva 100% do tempo. Saudades do meu trabalho... Pirei. Depois fui aprendendo a deixar os pensamentos passarem, leio de manhã, medito todos os dias antes de dormir, faço as tarefas de casa, estudo alemão, mas sem pressão, dentro do meu tempo (e ainda assim, tenho plena consciência do quanto sou privilegiada por poder fazer isso).


É claro que muitas vezes ‘chovia na hora do meu banho de sol’. Um exemplo disso é essa angústia decorrente de tantas Lives durante a quarentena. Um bombardeio de ‘conteúdos’. Eu li uma psicóloga num dia desses, que trouxe uma perspectiva inspirada naquele autor filósofo, Byung-Chul Han. Diz ele que os Sujeitos do Desempenho, numa sociedade positiva, a tudo dizem sim. Se tudo podem, tudo devem. E ela o questionava: Mas será que precisa ser assim? Parece que a tal FOMO, sigla pra Fear of Missing Out (traduziria como medo de ficar por fora) está bombando. Juntando isso a necessidade do "Sujeito do Desempenho" de estar sempre se esforçando para sua evolução pessoal, na minha opinião pode ser angustiante ver tantas possibilidades de conteúdos e informações ao mesmo tempo.


O medo de fracassar consigo mesmo, de ficar pra trás ou por fora, gera uma pressão absurda.


Provável que muitos não estejam irritados com o excesso de Lives, e ‘conteúdos’ nas redes sociais, mas com o fato de não conseguir acompanhar todas. No início eu tentava acompanhar o máximo, depois fui reduzindo. E depois estava tudo bem se em alguns dias, eu não me interessasse por nenhuma delas.


Aí eu sentava e esperava o sol vir. Teve dias que ele não veio... mas a maioria das vezes ele vinha.


Desde então, estou aprendendo a lidar com essa pressão toda de ser 100% produtiva na quarentena. Nem todo tempo precisa ser produtivo e mega significativo.


Os alemães e, consequentemente, os estrangeiros que moram aqui, levam a quarentena muito a sério. Eu e o meu marido por exemplo só saímos de casa quando precisamos ir ao mercado, mesmo assim de máscara, luva e desinfetante próprio (porque não conseguimos desde então comprar álcool gel) ou quando temos que levar as cachorrinhas para fazer as necessidades, mesmo assim, numa floresta ou na beira de um rio, lugares estes que são permitidas caminhadas.


O governo se empenhou e continua se empenhando muito no combate do vírus, na minha opinião a presidente daqui é uma verdadeira líder, governa fazendo o melhor para os cidadãos, sabendo que é obrigação dela fazer o melhor pelo povo e não apenas pela família dela ou pelo ego. Sendo assim, o faz.


Foram feitos até o dia 06/05 860 mil testes por semana. E contudo, o índice de contaminação vem reduzindo. Aqui é um país de primeiro mundo sim, temos um dos melhores sistemas de educação, saúde há uma verdadeira preocupação com a vida ...


Minha visão, principalmente para a moda, que eu amo, mudou muito. Não dá mais pra lançar 6, 7, 8 coleções por ano, acabando com a saúde mental dos estilistas, e todos que fazem parte dessa produção; antes, só lançávamos o verão e inverno, agora as empresas nos sufocam com várias coleções dentro de uma coleção. O que gera no cliente uma ansiedade desenfreada de consumo, nos vendedores de cotas a bater, nos chefes de assumir todos compromissos desses boletos gerados a pagar.


E o planeta sofre com essas ações.


Hoje, todos estão vivendo uma ‘bad coletiva’ (chefe/ funcionário). Não adianta forçar com fotos de ‘vida perfeita no insta’, porque antes os seguidores e clientes poderiam idealizar nossa vida perfeita. Agora, não mais. Todos estamos vulneráveis a essa pandemia!


Bom, por que eu estou mencionando tudo isso? Porque acredito que tudo está interligado. O planeta pede socorro! Precisamos dar novo significado às nossas atitudes. Para onde vai todo o lixo que consumimos? Como tratamos os animais? Temos o hábito de saber de onde vêm os alimentos que comemos? Como são tratado os trabalhadores do local?


Mas nós, que somos "privilegiados" nesse momento, qual a mudança que estamos trazendo para o planeta? Eu acredito que não dá mais para viver daquele jeito que estávamos, consumindo desenfreadamente, acumulando, acumulando.Precisamos doar mais, repartir... Se a gente ajudar o próximo, não terá chance para essa crise no mundo.


Eu, Lili acredito que a empatia, (palavra a qual eu aprendi a poucos anos) é o que irá nos salvar... E quem não o fizer, ainda não entendeu o propósito da vida.


Sorte pra gente”.

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